Sobre a 4ª ponte de ligação entre a ilha de Santa Catarina e o Continente em Florianópolis

<p> <strong>Prof. Sergio Torres Moraes<sup>1</sup></strong></p> <div id="cke_pastebin"> <p> <strong>28/11/2011</strong></p> <p> &nbsp;</p> <p> Com a apresenta&ccedil;&atilde;o do projeto para uma 4&ordf; ponte de liga&ccedil;&atilde;o entre a ilha de Santa Catarina e o Continente, o Governo de Santa Catarina incentivou um extenso debate sobre mobilidade urbana. Ainda que Florian&oacute;polis tenha no &uacute;ltimo m&ecirc;s de abril sediado um F&oacute;rum Internacional de Mobilidade Urbana e ONGs e Universidades avancem na discuss&atilde;o sobre mobilidade sustent&aacute;vel, nunca o debate esteve t&atilde;o presente entre os florianopolitanos. Talvez dev&ecirc;ssemos agradecer ao governador e ao secret&aacute;rio de infraestrutura por essa oportunidade.</p> <p> O projeto da nova ponte veio acompanhado de muitas cr&iacute;ticas, principalmente da comunidade acad&ecirc;mica e do IAB. Especialistas em mobilidade e planejamento urbano foram chamados pela m&iacute;dia para opinar e, em un&iacute;ssono, refutaram o conceito apresentado da 4&ordf; ponte ao mesmo tempo em que o governador Raimundo Colombo buscava em Bras&iacute;lia a concess&atilde;o das terras da marinha para a execu&ccedil;&atilde;o da obra.</p> <p> Pergunta-se: o que levou o governador a surpreender a comunidade com um projeto desse porte, question&aacute;vel em seus aspectos t&eacute;cnicos, sociais e ambientais? Quem s&atilde;o os urbanistas por tr&aacute;s da proposta? Onde est&atilde;o os estudos de origem e destino que definiram o porte e localiza&ccedil;&atilde;o da ponte? Por que o cronograma publicado n&atilde;o contempla um estudo de impacto de vizinhan&ccedil;a? Por que n&atilde;o se desenvolveu projetos alternativos a partir de outros modais de transporte? Por que dar prioridade aos autom&oacute;veis que j&aacute; hoje saturam o sistema vi&aacute;rio transportando a menor parte da popula&ccedil;&atilde;o, causando transtornos para moradores e turistas?</p> <p> Entre muitas quest&otilde;es ainda sem resposta, e para perceber a relev&acirc;ncia dessas perguntas, alguns pontos devem ser salientados para o entendimento do porqu&ecirc; de parte expressiva da comunidade acad&ecirc;mica se posicionar contra o modelo de conex&atilde;o vi&aacute;ria que nos foi apresentado.</p> <p> Para iniciar, &eacute; importante apontar um equ&iacute;voco no motivo apontado (na publicidade do governo) para a constru&ccedil;&atilde;o da ponte. &Eacute; fato que a frota de ve&iacute;culos est&aacute; aumentando, resultado principalmente das pol&iacute;ticas econ&ocirc;micas que nos &uacute;ltimos anos elevaram o poder aquisitivo da popula&ccedil;&atilde;o de menor renda. Contudo, dizer que a partir desse aumento da frota se prev&ecirc; mais de 320.000 carros atravessando diariamente o canal em 2020 &eacute; uma fal&aacute;cia, pois est&aacute; se supondo uma total ina&ccedil;&atilde;o da administra&ccedil;&atilde;o p&uacute;blica em rela&ccedil;&atilde;o ao desenvolvimento urbano e metropolitano nos pr&oacute;ximos 10 ou 15 anos. &Eacute; o que n&oacute;s planejadores chamamos de &ldquo;cen&aacute;rio de refer&ecirc;ncia&rdquo;, constru&iacute;do para apontar a necessidade de a&ccedil;&otilde;es efetivas para evitar a ocorr&ecirc;ncia do problema. Assim, as a&ccedil;&otilde;es de governo n&atilde;o devem ajudar o evento indesej&aacute;vel ocorrer (o aumento do n&uacute;mero de ve&iacute;culos na ilha), mas ir em dire&ccedil;&atilde;o a evitar que o fluxo de autom&oacute;veis dobre ou triplique em 10 anos. A transfer&ecirc;ncia paulatina para o continente grandes equipamentos como o&nbsp;aeroporto, terminal rodovi&aacute;rio internacional e institui&ccedil;&otilde;es governamentais j&aacute; seria uma boa contribui&ccedil;&atilde;o para minimizar o fluxo de ve&iacute;culos continente-ilha, por exemplo.</p> <p> Desse modo, entende-se que &eacute; imprescind&iacute;vel equacionar e implementar pol&iacute;ticas p&uacute;blicas integradas para a Regi&atilde;o da Grande Florian&oacute;polis, pol&iacute;ticas de desenvolvimento metropolitano, de mobilidade e acessibilidade, de uso do solo, turismo, habita&ccedil;&atilde;o, efici&ecirc;ncia energ&eacute;tica e principalmente pol&iacute;ticas de combate &agrave; desigualdade e elimina&ccedil;&atilde;o da pobreza.</p> <p> A grande cr&iacute;tica &agrave; proposta da 4&ordf; ponte apresentada &eacute; que sua constru&ccedil;&atilde;o parece ser uma a&ccedil;&atilde;o isolada, focada no munic&iacute;pio de Florian&oacute;polis, que nega a escala metropolitana e &eacute; desvinculada de qualquer pol&iacute;tica p&uacute;blica e/ou estrat&eacute;gia de desenvolvimento da Grande Florian&oacute;polis, al&eacute;m de n&atilde;o ter tido uma discuss&atilde;o ampla com a coletividade.</p> <p> Al&eacute;m de negar a necessidade de pensar a mobilidade e acessibilidade no &acirc;mbito metropolitano, a proposta tamb&eacute;m n&atilde;o considera as recomenda&ccedil;&otilde;es da Secretaria Nacional de Mobilidade Sustent&aacute;vel, criada com o intuito de elaborar uma Pol&iacute;tica Nacional de Mobilidade Urbana, de car&aacute;ter sustent&aacute;vel, que incentiva as cidades e regi&otilde;es metropolitanas adotar medidas tais como enfatizar o uso do transporte coletivo e n&atilde;o do transporte individual e estimular a participa&ccedil;&atilde;o e controle social sobre as pol&iacute;ticas de mobilidade. Mais que isso, a proposta tamb&eacute;m despreza os esfor&ccedil;os j&aacute; materializados no Plano Diretor Participativo de Florian&oacute;polis em constru&ccedil;&atilde;o. Num momento onde se procura retomar o processo do Plano Diretor Participativo de Florian&oacute;polis, a inger&ecirc;ncia da administra&ccedil;&atilde;o estadual na pol&iacute;tica urbana marca o car&aacute;ter impositivo e insustent&aacute;vel de uma proposta que tende a alterar significativamente toda a din&acirc;mica urbana e a matriz dos valores imobili&aacute;rios do munic&iacute;pio, desconsiderando a pr&oacute;pria realidade ambiental e intra-urbana da ilha.</p> <p> A id&eacute;ia de se construir um novo modelo de mobilidade urbana que n&atilde;o trate as quest&otilde;es de transporte, circula&ccedil;&atilde;o e mobilidade de maneira isolada deve ser a t&ocirc;nica das pol&iacute;ticas p&uacute;blicas urbanas neste s&eacute;culo XXI. Deve-se, portanto, entender que a constru&ccedil;&atilde;o de um sistema de mobilidade, vinculado a pol&iacute;ticas de desenvolvimento que lidem com a quest&atilde;o de uso do solo e acessibilidade &agrave; habita&ccedil;&atilde;o, educa&ccedil;&atilde;o e renda, &eacute; uma das mais importantes ferramentas para</p> <p> combater a exclus&atilde;o social.</p> <p> Mais especificamente, a regi&atilde;o insular de Florian&oacute;polis, no contexto de sua fragilidade ambiental, seus condicionantes geomorfol&oacute;gicos, de suas defici&ecirc;ncias de infraestrutura e de sua fragmenta&ccedil;&atilde;o urbana hist&oacute;rica aguarda pol&iacute;ticas p&uacute;blicas que lidem com a mobilidade desenvolvendo as possibilidades e potencialidades de modais de transporte alternativos, principalmente do transporte n&aacute;utico, que deveria ser a pe&ccedil;a chave dentro de um poss&iacute;vel sistema de mobilidade integrado e diversificado. Cabe salientar aqui, que as pol&iacute;ticas de mobilidade t&ecirc;m de ser coerentes e convergentes com o objetivo da sustentabilidade. N&atilde;o &eacute; l&oacute;gico que se desenvolva paralelamente pol&iacute;ticas de incentivo ao uso do transporte p&uacute;blico e do uso do autom&oacute;vel particular. S&atilde;o pol&iacute;ticas divergentes, n&atilde;o cabem num mesmo objetivo e comprometem a sustentabilidade ambiental e econ&ocirc;mica dos sistemas propostos. Nesse sentido, n&atilde;o me parece coerente isentar os ve&iacute;culos particulares de impostos ou ped&aacute;gios que poderiam subsidiar um transporte p&uacute;blico de qualidade e desestimular o uso do autom&oacute;vel. Tampouco parece coerente, entre outros aspectos de diverg&ecirc;ncia na pol&iacute;tica de mobilidade e acessibilidade, criar grandes &aacute;reas de lazer entrincheiradas atr&aacute;s de vias expressas, desvinculadas do sistema de transporte p&uacute;blico e oferecendo centenas de vagas de estacionamento como op&ccedil;&atilde;o de acesso a estas &aacute;reas.</p> <p> O que se espera, portanto do Governo do Estado, &eacute; que ele revise suas proposi&ccedil;&otilde;es e colabore com a estrutura&ccedil;&atilde;o ou cria&ccedil;&atilde;o de uma autarquia para a coordena&ccedil;&atilde;o do desenvolvimento metropolitano, talvez refor&ccedil;ando e revendo o papel da Secretaria Regional de Desenvolvimento e possibilitando um di&aacute;logo aberto com o IPUF, com outros institutos municipais de urbaniza&ccedil;&atilde;o e com a Universidade, que sempre se mostrou dispon&iacute;vel e participativa nos f&oacute;runs que debatem o desenvolvimento metropolitano. Desse modo, o Governo de Santa Catarina estaria consolidando um modelo de governan&ccedil;a de car&aacute;ter sustent&aacute;vel, com pol&iacute;ticas p&uacute;blicas voltadas a dar acesso a emprego, renda, sa&uacute;de, ambiente urbano de qualidade, buscando relacion&aacute;-la n&atilde;o apenas com a quest&atilde;o da mobilidade urbana, mas com a quest&atilde;o da participa&ccedil;&atilde;o popular nas decis&otilde;es de governo que direta ou indiretamente ir&atilde;o transformar o cotidiano da cidade. Em resumo, um modelo de governan&ccedil;a que reforce a pr&oacute;pria democracia.</p> <p> &nbsp;</p> <hr /> <p> <sup>1</sup> Dr. Sergio Moraes &eacute; arquiteto e urbanista, professor adjunto da Universidade Federal de Santa Catarina em Florian&oacute;polis, doutor pela&nbsp;Universidade de S&atilde;o Paulo/Universidade da Calif&oacute;rnia em Berkeley, pesquisador na &aacute;rea de Planejamento Urbano e Regional e&nbsp;Mobilidade Sustent&aacute;vel.</p> </div>
Fonte:Prof. Sergio Torres Moraes Publicado em:02-12-2011 11:31:41